sexta-feira, 13 de abril de 2012

PEDRO ARCHANJO

 “... acho que sou um sociólogo fotógrafo querendo ser artista, e um fotógrafo sociólogo, querendo ser artista também.”

 É complexo traçar um perfil através de sua produção, de sua formação ou mesmo de sua vida pessoal, Pedro Arcanjo da Silva, ou simplesmente Pedro Archanjo, assim prefere assinar seus trabalhos com “H”, como o aconselha a numerologia. Filho do Recôncavo, nascido em Maragojipe, recebeu esse nome de seu pai, por inspiração em um personagem do livro Tenda dos Milagres, de Jorge Amado. Formou-se em Sociologia pela Universidade Federal da Bahia, diretor do Centro Cultural Dannemann e fotógrafo.
 A ele é atribuído um denso conhecimento sobre a cultura do Recôncavo, isso se deve à convivência desde menino ouvindo os sons dos terreiros de Candomblé e passeando entre eles na adolescência em busca de namoradas. Essa convivência ficou em sua memória afetiva e como ele diz: “eu comecei a mexer com essas coisas de criatividade, de criação, de arte,... automaticamente deve ter saído da minha memória afetiva...”. E esse afloramento o levou a uma inclinação para o trabalho com a cultura de origem africana num sentido antropológico e etnológico, como é possível ver na maioria de suas fotografias.
 Seus trabalhos são reconhecidos em vários países, como Áustria, Argentina e Alemanha. Perguntado sobre qual o local em que seus trabalhos fizeram mais sucesso, ele diz que foi em Berlim, na Alemanha, onde teve a oportunidade de palestrar sobre o Recôncavo, dar detalhes do trabalho e mostrar com fundamentos sociológicos a ligação com o local de onde estavam vindas as fotografias. Pedro se mostra humilde quando admite não ter feito sucesso, mas foi esse trabalho apresentado em Berlim que mais o agradara.
 Aqui no Brasil, ele conta das dificuldades que teve para criar o Centro Cultural Dannemann e implantar a Bienal do Recôncavo, devido à elitização dos monopólios que ainda é possível ver nas pequenas cidades do interior: “ Eu acho que esse é o principal mérito do Centro Cultural, ter conseguido avançar nas discussões contemporâneas sem deixar de ser popular, sem inibir a participação popular. E também não aceitamos que a classe média, esse povo que acha que é o rico do Recôncavo, descaracterizasse o Centro Cultural, porque, nesses lugares, sempre quando os ricos não conseguem dominar, eles começam a dizer que ali é lugar de maconheiro, de veado, de prostituição, tenta ligar a arte a essas coisas, pra descaracterizar, ligando com coisas errôneas, fazendo uma visão distorcida”. 
 É bem interessante o aprofundamento que é feito quando explica que essa falta de reconhecimento da arte vem desde o período colonial, quando aqui se deu o mais extenso período da economia colonial portuguesa, com o ciclo da cana-de açúcar.
 Há um confronto entre duas forças, uma dos donos de engenhos de Portugal que vieram para implantar os engenhos de açúcar aqui no Recôncavo, os caras brancos, cobertos pelo preconceito e pelos traumas da Santa Inquisição e, de outro lado, os negros que vieram como escravos e que tiveram de usar todas as forças para se afirmar.
 “Então o ‘ser recôncavo’ se dá do confronto dessas duas etnias, dessas duas concepções de cultura, de vida, de arte, e se afirmam. Como tem o lado delirante, criativo da resistência dos negros, tem um lado conservador também muito forte dos senhores de engenho”, explica.
 Archanjo cita a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia- UFRB, como uma intervenção grande, capaz de modificar os hábitos preconceituosos, que vêm de outrora. A UFRB é um espaço que traz uma pluralidade, pessoas de vários lugares, com culturas diferentes, que vieram e invadiram as ruas de Cachoeira e de São Félix, do Recôncavo em si, transformando os costumes da população local e seus pensamentos.
 Essa inferência do Centro Cultural e da criação da Bienal, que já existe em sua décima edição, isto é, há vinte anos, influenciou no fazer artístico da Região. Nas escolas primárias, as crianças que antes desenhavam as coisas que cercavam seu campo visual, como coqueiros, barquinhos, o rio, casinhas, a família e o bichinho de estimação.Passaram a ter outra visão de arte, como a arte abstrata e das esculturas. Essa transformação imediata nas crianças, na população e nos artistas faz com que Pedro reconheça que houve influência da Bienal que se intensificou com a chegada da UFRB.

 O Trabalho Estético 

“ Acho que quando a gente trabalha de uma forma verdadeira vai sair o que está dentro da gente”

O fotógrafo descreve seus trabalhos referentes à cultura de origem africana como tendo dois sentidos, um mais antropológico e etnológico e o outro que é puramente artístico, que ele tenta expressar, mas que é vinculado a uma região e a ela se prende. Querendo desatar-se disto declara sempre ter tido vontade de fazer uma coisa que não tivesse compromisso em representar um lugar, que fosse algo estético. Explica que ao ler “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, e ver um filme que referencia com o livro, teve a ideia de trabalhar com oconceito do simulacro, do que é real e o irreal, onde as coisas parecem ser e não são, como é comum no nosso tempo.
 Viajando começou a fotografar os manequins nas vitrines da Europa, que são bem parecidos com as modelos de verdade, porque são feitos a partir das próprias modelos. Foi onde ele percebeu que podia brincar, provocando a curiosidade das pessoas, tentando fazer com que descobrissem entre as fotografias uma que fosse real, no meio de tantos outros irreais. 
Provoca a reflexão das pessoas sobre o momento histórico contemporâneo, quando tudo é transitório, em que o importante não é a obra de arte em si, mas sim a ideia que obteve para realiza-la. 
“Então você vê, o cara prega trezentos martelos nessa parede, você olha e diz: eu também poderia fazer um negócio desses, mas tem uma expressão estética que é tão importante, não é o fazer, é a ideia que você teve para elaboração do trabalho. E tudo fica sendo muito transitório, e tudo é de qualquer lugar e não é de lugar nenhum. É um momento que nós estamos vivendo dessa transitoriedade estética, dessa transitoriedade do momento estético contemporâneo, que eu acho que tem haver com o mercado financeiro”, argumenta o fotógrafo. 
Archanjo lembra que desde o Renascimento até a Arte Moderna, se expressa a arte sempre reproduzindo o real, a natureza, elementos da natureza e pessoas, principalmente pessoas como elas de fato são. Não se tinha essa preocupação de colocar a arte como mercadoria limitada ao financeiro, havia um trabalho muito artesanal. Cita Caravaggio que teve um tempo imenso para pintar o manto da rainha Sophia. 
 Foi a Revolução Industrial que em menos de cem anos transformou a sociedade burguesa como em toda história da humanidade não se tinha feito. Foram criadas máquinas a vapor, estradas de ferro, aberta novas estradas. “Quer dizer, construiu-se e destruiu-se coisas belas muito rápido”. Ocorreram grandes descobertas, rios e mares foram poluídos, acabaram-se as florestas e também o romantismo,“foi pra ganhar dinheiro, mesmo, de uma maneira profissional.”.
E a arte começa também a despreocupar-se em se ater ao que é real, o pintor já não tem mais a paciência que Caravaggio teve em pintar o manto da rainha Sophia, com toda riqueza de detalhes, as pinceladas ficam mais rápidas, começam a surgir esculturas cada vez mais abstratas. Esse interesse capital no mercado financeiro é que dá característica ao trabalho estético.
 Nesse sentido não mais importa a arte produzida, a permanência material da obra, mas o registro da sua manifestação.
 “Faz uma instalação no rio, por exemplo, coloca umas tintas no rio, que não vai ficar no rio, mas fica lá um gestual colorido no rio que depois o rio vai levar, a água vai levar. O que ficou? É a fotografia e o vídeo que você fez do negócio”, explica. 
Remete a nós com esse trabalho estético dos manequins e ao se afastar do compromisso com o regional, a esse processo da transitoriedade, e nos faz meditar do quanto estamos sendo materialistas, esquecemo-nos do nosso compromisso diário de exportar ao outro nossas emoções, em expressar nossos sentimentos. Hoje em dia tem-se preocupado muito com o estético, na imagem que o outro terá de nós, esquecemos até mesmo de olhar a nós mesmos.

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